quarta-feira, 28 de maio de 2014

Mais do que sobrenomes, sejamos amor



            Família é um negócio maluco,
é a primeira comunidade que conhecemos,
mas quantas vezes, enquanto a vida passa
se torna o todo do qual menos nos sentimos parte?

Quanto trabalho voluntário é preciso pra gente perceber que arrumar o mundo começa com a arrumação da própria casa? O pouco trabalho que fiz até hoje com comunidades me trouxe essa questão, e já vou avisando que perceber isso é mais complicado do que construir uma horta comunitária numa cidade distante, afinal, é a sua vida finalmente participando do processo.
Fazendo esse caminho inverso, da reforma de dentro pra fora, a gente se vê integrante de vários clubes, todos em torno de interesses comuns, com exceção do grupo “família”, em que o totem central não é um tema pré-definido que guia o grupo, mas é o totem da origem, da fortaleza pra onde voltamos sempre que quisermos.
Nessa de me questionar mil coisas, há um tempo que me pergunto “Como tornar eventos de família em algo realmente legal?”, e me questiono isso porque já participei e vi de fora muita reunião familiar sem sentido (de “reunir” ou de “família”). Não estou falando de brigas, de forma alguma. Estou falando do módulo automático, de páscoa com muito chocolate e pouca reflexão sobre o renascimento e a (i)lógica do ovo que sai de um mamífero; e de amigos secretos sem dicas divertidas, sem risadas bestas, quase um passa e repassa de embrulhos. Como diz Fernando Conte, um cara que admiro muito, “SAIA DA INÉRCIA!”, bora viver esse presente, e quer laboratório melhor do que evento familiar pra SER comunidade? Pra discutir todo e qualquer assunto, pra rir, chorar, desabafar... para ser você mesmo!? (Pelo menos é assim que eu acho que deveria ser...).
Tenho meus defeitos e minhas opiniões, e em algum ponto com certeza eu discordo de pelo menos um dos meus 59 primos (de 1º grau!), mas tudo bem. O que essa simulação de sociedade ideal deve ter e que realmente importa é o respeito às diferenças, a escuta sincera e a consideração pelo outro.
Já faz quase um mês que aconteceu o encontro de família com mais sentido, na minha vida e humilde opinião, até hoje. E acredito que assim senti porque eu mudei, eu saí debaixo da saia da minha mãe, puxei conversa com parentes de todas as idades e me dei a liberdade de anunciar pra todo mundo que assim eu faria. Na primeira noite pedi a atenção batendo uma colher num copo e disse algo mais ou menos assim:
- Acho importante marcar o inicio do encontro, dizer que começou, e como parte disso quero deixar uma pergunta pra todos refletirem nos próximos dias: o que representa essa festa pra você?
Celebrar é diferente de festejar, e nos dias que se passaram alguns primos vieram me dizer que também queriam falar algo, mas não sabiam como nem exatamente o quê. Eu também queria fazer mais e não sabia como. Mas as coisas foram acontecendo, pois eis que em algum momento, no meio de fotos, feijoada e 80 pessoas, nos juntamos todos em roda e a pergunta da primeira noite voltou direcionada para os filhos de meus falecidos avós (ou seja, minha mãe e seus irmãos), e respostas foram surgindo de todos os lados, acompanhadas de causos, risadas, poesia, lembranças e lágrimas.
Numa família tão grande, mesmo quando tem muita gente sempre falta alguém, fisicamente falando, porque pelas falas, fotografias e pensamento todos vieram, de todas as partes do Brasil e do mundo, e até quem não está mais nesse mundo.
E desse jeito, com todos presentes numa roda cheia de energia e abraços, minha questão foi respondida.

Foi bom demais fazer parte disso.

Obrigada Pradaria! 

sábado, 17 de maio de 2014

GRATIDÃO. O dia da Raiva.

Como disse uma amiga dia desses, 2014 tá um ano com características de Água, cheio de emoções e fluidez, e como bom líquido que é, tem dia que não tá pra peixe. Hoje tava assim, um 16 de maio de mar meio morto, acordei desanimada e pensativa sobre algumas questões que quero melhorar e, nesse humor, foi-se a manhã. Na hora do almoço fui comer no restaurante da universidade e sentei com duas veterinárias colegas de departamento. Uma delas foi mordida por um gato desconhecido esses dias e a conversa era sobre isso, mais precisamente na raiva que ela podia ter pego. A gente falava do vírus, e não do sentimento, ok? Nisso, ela mostrou o dedo mordido, com uns pontinhos vermelhos, marcas dos dentes do infrator. Nessa hora me veio a lembrança do meu episódio com pontinhos semelhantes: há 4 meses, participando de um programa inspirador de empreendedorismo social numa comunidade em Santos, pisei sem querer em um gato e ele me mordeu. Levei um susto, mas não me preocupei. Ele tinha dona, ela viu e na hora já disse que ele era vacinado. Tudo continuou normalmente durante o programa e fiquei feliz de não ter ido ao hospital nenhuma vez. Voltando ao almoço (!), parei e perguntei se tinha perigo pegar raiva com esses furinhos, afinal tão pequenos, elas disseram que sim, e falaram mais sobre a transmissão e gravidade da doença, sobre o sistema nervoso, o papel dos animais nessa história toda e por aí foi. Resumindo: a doença é grave pra caramba, altera comportamento, mata gente, mata gato, mata cachorro e mata morcego, e não precisa de tanto contato assim com um desses infectado pra pegar o vírus, mas a boa notícia é que a doença destrói tão rápido que é difícil ver um animal doente por aí. Nessa prosa, comecei a perceber cá com meus botões que, lá em janeiro, se o gato que me mordeu fosse outro, sem dona e paradeiro conhecidos, provavelmente eu não teria me preocupado mais com a situação. Tinha tanta atividade acontecendo e, afinal, eram furinhos com um sangue tão insignificante que eu não ia perder tempo tomando soro antirrábico. Nessa hora senti um misto de autopreservação tardia, desespero e emoção. Cara, eu podia ter morrido! Daí veio outra sensação: gratidão, gratidão profunda por tudo que poderia ter sido diferente e não foi, pela vida e pelos meus problemas, muito mais insignificantes que os furinhos na minha perna. Pode parecer dramático todo esse raciocínio que se passou na minha cabeça, mas prefiro dizer que foi intenso de emoções e que no fim só trouxe coisa boa. Saí do bandejão admirando árvores muito mais bonitas do que quando entrei e, nessa apreciação, conferi se tinha algum morcego por perto, afinal, morcego voando de dia não é normal, então desconfia porque ele pode estar raivoso.

Obrigada, namastê, amém.

E que meus pais e meus professores de Biologia não saibam dessa história.